01 de February de 2025
Por André Wanderley Soares. Advogado e consultor jurídico especialista em trânsito, advogado da AGT Brasil – Associação dos Agentes de Trânsito do Brasil
Resumo.
O artigo analisa o embate jurídico entre a Prefeitura de São Paulo e as plataformas de transporte por aplicativo (Uber e 99) sobre a proibição do transporte remunerado de passageiros por motocicletas. O Decreto nº 62.144/2023 suspendeu temporariamente esse serviço devido ao aumento significativo de acidentes fatais. As empresas continuaram operando, levando o município a intensificar a fiscalização e a ingressar com uma Ação Civil Pública para proibir definitivamente a atividade.
O texto argumenta que os municípios têm competência para regulamentar a mobilidade urbana, conforme a Lei Federal nº 12.587/2012 (Lei da Mobilidade Urbana) e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Além disso, menciona que a exigência de CNH categoria B para motoristas de aplicativo inviabilizaria o serviço de motocicletas.
Por fim, o artigo conclui que, apesar das alegações de violação da livre iniciativa, o município age dentro da legalidade ao buscar regulamentar e conter os impactos negativos desse tipo de transporte na segurança viária.
Palavras Chaves: Transporte por aplicativo, Motocicletas. Decreto nº 62.144/2023, Prefeitura de São Paulo, Uber e 99, Regulamentação municipal, Mobilidade urbana. Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei Federal nº 12.587/2012, Segurança viária, Livre iniciativa, Fiscalização, Sinistros de trânsito.
Recentemente veio ao grande público através da imprensa uma guerra jurídica travada entre o Município de São Paulo e as plataformas de aplicativos de caronas UBER e 99, acerca da proibição de utilização do transporte por motocicletas.
A Prefeitura de São Paulo, após constatar por meio de seus órgãos internos (fato corroborado por informações independentes) o aumento significativo de mortes no trânsito em virtude da utilização de aplicativos para transporte de passageiros em motocicleta editou o Decreto nº 62.144/2023 que suspendeu de forma temporário dentro da circunscrição do município a utilização de motos em serviços de transporte individual remunerado intermediado por aplicativos.
Mesmo com esse decreto as plataformas de aplicativo continuaram a desobedecer o regramento municipal o que desencadeou o endurecimento por parte do município, adotando medidas mais duras de fiscalização aos pilotos de motociclista que ganham a vida utilizando a plataforma.
Igualmente demandas judiciais foram propostas ao final do ano de 2024, dentre as quais uma Ação Civil Pública cujo autor é o Município de São Paulo e que visa de forma inaudita altera pars e em sede definitiva a proibição de atuação das plataformas por aplicativos no modal motocicleta e concomitantemente a autorização para usar de meios coercitivos em relação as empresas de plataforma e os seus “motoristas”.
Desta forma o objetivo deste artigo é uma analise a luz do ordenamento jurídico acerca deste conflito, sem, no entanto afirmar que o tema se esgotaria, dada a complexidade e camadas que o envolvem.
Inicialmente convém afirmar que apesar de muitas informações equivocadas que circulam na imprensa por intermédio de debatedores, articuladores, dentre outros atores os municípios possuem competência concorrente para legislar e regulamentar questões relativas a mobilidade urbana e a segurança viária, de acordo com as particularidades locais.
Esta possibilidade está prevista na Lei Federal nº 12.587/2012, a denominada Lei da Mobilidade Urbana mais precisamente em seu art. 6º que conceitua e aponta as diretrizes da “Política Nacional de Mobilidade Urbana”.
Em seu art. 11-A, especificamente sobre o tema “transportes por aplicativo” a citada lei dispõe que “Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios.”
Igualmente a possibilidade de regulamentação dos municípios no âmbito da mobilidade urbana encontra guarida no disposto no art. 24, II do CTB, que prescreve que:
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
(...)
II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais e promover o desenvolvimento, temporário ou definitivo, da circulação, da segurança e das áreas de proteção de ciclistas.
Logo não pairam dúvidas que o Município de São Paulo ao promulgar o Decreto 62.144/2023 o fez de forma legítima.
E o fez visando a proteção da sociedade e o estado democrático de direito, dada a constatação dos efeitos nefastos que a utilização por transporte via motocicleta está causando – leia-se aumento expressivo de sinistros com mortes decorrentes deste modal.
Ocorre que não bastasse esse argumento justo e inquestionável igualmente o Município pode valer-se no disposto na Lei de Política de Mobilidade Urbana quanto a conceituação do “transporte por aplicativo” e os requisitos para que os mesmos possam ser implementados.
Expliquemos.
O art. 4º deste diploma em sua “Seção I” denominada “Das Definições” apresenta o que para os fins deste quais são as espécie de transporte, conceito de mobilidade, dentre outros de extrema relevância.
Dentre outros o transporte por aplicativo está conceituado no inciso X que o define como “transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.”
Neste conceito à primeira vista poderiam estar abarcados tanto o transporte via aplicativo por automóveis quanto por motocicletas.
No entanto, o próprio diploma inviabiliza a atividade pelo modal motocicleta a apontar exigências que não são adotadas nas plataformas e outras que os motoristas das plataformas provavelmente não conseguiriam satisfazer.
Estamo-nos referindo ao disposto no art. 11-B, que dentre os seus incisos enumeram as condições para que sejam autorizados, o mais sensível e de forma transversa seria o I que determina que (somente será conferido ao motorista exercer esse serviço se) possuir CNH categoria B ou superior que contenha a informação de exercício de atividade remunerada.
A Prefeitura de São Paulo não utilizou-se deste fundamento específico em seu Decreto, mas poderia lançar muito bem mão deste fundamento – preferido utilizar-se das particularidades locais, no caso em tela o grande número de óbitos causados por sinistros decorrentes de utilização de aplicativos para motos ao fazer a regulamentação, proibindo de forma temporária o serviço de transporte de passageiros via motocicleta nas plataformas digitais.
Por outro lado ao que não utilizar-se desse fundamento ou de qualquer outro local os municípios podem estar incorrendo em desobediência à lei federal, pois sua dicção é bem clara e estaríamos claramente diante de uma omissão do ente público consistente em não utilizar de sua prerrogativa de regulamentar os serviços relacionados à mobilidade urbana, consoante o disposto no art. 24 e incisos no CTB.
De toda sorte, mesmo sem observância do disposto na Lei Federal de Mobilidade Urbana o fato é que, em que pese àqueles que defende a inconstitucionalidade do Decreto por impedir a livre iniciativa privada entendemos não ser razoável que a administração pública feche os olhos quanto aos efeitos danosos desta atividade sem exercer seu poder-dever de regulamentar de acordo com as particularidades locais e em sua circunscrição, e neste ponto em nosso entender o Município de São Paulo age amparada pela lei.